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QUEM FOI CÉSAR MORAES LEITE?

Biografia

César Moraes Leite nasceu no dia 27 de janeiro de 1961, em Belém, ele era chamado de “branco”, “alemão” ou “loiro”, segundo Sandra Leite. Em 1979 prestou vestibular para Engenharia Elétrica na UFPA como sua 1ª opção, mas classificou-se em Matemática. Foi um estudante de 19 anos calouro do curso de Matemática que teve a sua vida ceifada por uma bala na manhã de uma segunda-feira (10 de março de 1980). O semestre letivo iniciava com a aula da disciplina Estudos dos Problemas Brasileiros (EPB), equivalente, no ensino superior, à educação moral e cívica do antigo segundo grau (hoje ensino médio). A disciplina foi criada a partir do decreto-lei nº 869 de 12 de setembro de 1969, quando dispõe sobre a inclusão da Educação Moral e Cívica como disciplina obrigatória, nas escolas de todos os graus e modalidades, dos sistemas de ensino no País, e dá outras providências. Cabe ressaltar que a disciplina Estudos de Problemas Brasileiros neste contexto era vista como um complemento no sistema de ensino superior, sendo aplicado inclusive na pós-graduação conforme o parágrafo 3º da referida legislação educacional de 1969. 

Segundo Edilza Fontes (2007, p.89) a aula ministrada pela professora Maria Inês debatia a questão da violência e o porte de arma quando se ouviu um estampido no interior da sala de aula Fb-2, do pavilhão F, no campus básico do campus universitário do Guamá, o discente de matemática César Moraes Leite foi surpreendido por um disparo fatal. César foi atingido por uma arma carregada de duplo calibre 38 que estava em poder do agente da polícia federal identificado nos registros oficiais como Dalvo Monteiro de Castro Junior que assistia às aulas como agente da repressão e tinha missão de vigiar os estudantes em sala de aula. Na versão do policial, a capanga, bolsa da arma que o agente federal portava havia caído e disparado contra o rapaz, o que chegou a ser contestado a época por peritos do Renato Chaves.

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Fotografia de César Moraes Leite.

 Disponibilizado pelo SIAN (Sistema de Informações do Arquivo Nacional), o jornal Resistência produzido pela SDDH (Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos) em sua edição de abril do ano de 1980 apresenta a matéria A ditadura é acidental? (1980, p.3) em que o presidente da União Nacional dos Estudantes Ruy César Costa destaca que ‘a morte do César constitui um exemplo vivo a todos os estudantes brasileiros, pois, a sua morte faz parte de uma ideologia, mais global, que permite nas instituições de todo pais a presença de policiais fardados e armados em sala de aula’ (1980, p.3).

A arma caiu acidentalmente e a bala atingiu o estudante César que sentava na carteira à frente atingindo-o pelas costas. O estudante chegou a ser levado para o pronto-socorro municipal de Belém, mas não resistiu e morreu ali mesmo. As marcas da violência mancharam carteira, o corredor do pavilhão de sala de aula, e principalmente deixaram rastro de indignação contra o abuso de poder e a vigilância que existia dentro da Universidade Federal do Pará (UFPA).O episódio causou comoção na cidade e escancarou o que há muito já se comentava no campus que a temida Assessoria de Segurança e Informação (ASI) mantinha agentes infiltrados na instituição. A certeza serviu de combustível para o movimento estudantil e alimentou uma série de protestos que tiveram como objetivo retirar a ASI da instituição. Os estudantes clamavam pelo fim do porte de arma dentro da universidade. Os documentos denunciavam a falta de segurança dentro do campus do Guamá. César Moraes Leite foi velado no colégio Nazaré onde ele estudou até conquistar uma vaga na UFPA. Ocorreu a suspensão de aula no campus do Guamá de uma semana, como aparece noticiado dia 12 de março de 1980 no jornal O Liberal pela matéria “Reitor suspende aulas na UFPA até sábado”. 

Os jornais locais noticiam a morte do estudante. Por exemplo, o jornal Ojornal O Liberal ilustra o episódio com a matéria “Caminhando no adeus a Cesar” em edição do dia 12 de março de 1980. O jornal A Província do Pará, de 13 de março de 1980, relata o depoimento do agente federal em matéria intitulada “Agente relata a morte do estudante”, por outro lado, o Sistema Nacional de Informações no dia 18 de março de 1980 em sua Agência Belém publica um documento intitulado Movimento Estudantil – Exploração político-ideológica na morte do estudante que fora encaminhado a Agência Central do SNI do 4º Distrito Naval da 8ª Região Militar, no referido documento percebe-se a imagem que o governo possuía do movimentos estudantil paraense, bem como do estudante assassinado dentro do campus do Guamá como “a morte do infeliz estudante” (1980, p.1). Logo em seguida relatam as ações do movimento estudantil a serem realizadas pela cidade de Belém como forma de protesto pela morte de César Leite.

Mobirise

Manchete sobre morte de César.

O cortejo pela cidade de Belém ocorrida após a morto do estudante no campus do Guamá foi seguido por mais de 5 mil pessoas, em meio a uma chuva torrencial com muitos cartazes e carro som, sendo entoada com canções como a ‘Para não dizer que não falei de flores’ de Geraldo Vandré e ‘Menino’ de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos que foram entoadas de forma entristecida no último adeus ao estudante universitário.A realização de um culto ecumênico que fora realizado pelo padre Savino Mombelli, que era professor de Teologia da UFPA, do padre Ricardo Rezende Figueira que era vice-presidente da CPT da região do Araguaia-Tocantins, do padre Bernard Hoyos Montoya que era professor da UFPA, do Frei Edilberto Sena de Santarém, de Rosa Marga Neves da Igreja Evangélica Confissão Luterana e do rabino Abrahão Hamu da Igreja Israelita do Brasil. O documento destaca a postura de radicalização do referido culto ecumênico frente do regime militar especificando a atuação dos padres Savino Mombelli e Ricardo Figueira e da teóloga Rosa Marga Neves. 

Os eventos do mês de março de 1980 tentaram fazer deste momento um espaço de resistência ao regime militar e os estudantes paraenses conseguiram. Os articulares do movimento estudantil em Belém segundo o referido documento do SNI foram: Sérgio Carneiro, José Carlos Boução, Luzio Horácio de Lima Neto, João Carlos Batista e Waldemar Sá de Azevedo e Humberto Rocha Cunha. O movimento queria também estender as resistências ao regime militar até o dia 28 de março de 1980, para rememorar os 12 anos de morte do estudante Edson Luís Lima Souto. 

No dia 13 de março de 1980 foi realizado manifestações de estudantisno estado do Amazonas em função da morte do estudante paraense. O ato público de repúdio ao arbítrio estava marcado para às 09:00 horas, ele foi feito pelos estudantes universitários que ocorreu no interior do campus universitário do Amazonas, tendo a participação de 150 pessoas, sendo liderados pelos estudantes amazonenses:Raimundo Cardoso de Freitas, Eronildo Braga Bezerra e João Pedro Gonçalves da Costa. O movimento dos estudantes gritava palavras de ordem como “abaixo a repressão” segundo documento do SNI publicado pela Agência de Manaus. 

O estudante universitário foi uma vítima dessa forma de pensar a democracia no Brasil, no momento em que as universidades eram constantemente vigiadas pelo governo, de muito registro, de muita denúncia porque ainda estávamos vivendo em uma ditadura militar, época com pouca expressão, sem ter liberdade de expressão e o César foi vítima da intolerância dos governos militares em relação aos estudantes dentro deste contexto. A morte do César Leite foi muito importante para fazermos a denúncia do que existia ainda de Serviço Nacional de Informação dentro das universidades brasileiras. Ganhamos com este episódio a denúncia sobre a ditadura militar e a saída da ASI de dentro da Universidade Federal do Pará após este episódio lamentável. Vítima do autoritarismo militar a morte do estudante César Leite demarcar o papel da universidade como um espaço democrático de livre expressão.

1980 ficou conhecido na cidade de Belém como o “ano do protesto”. segundo noticia o jornal Resistência. César Leite foi o símbolo da luta pela liberdade de expressão e livre manifestação do pensamento na maior instituição de ensino superior do norte do País. No período compreendido de 1964 a 1985 muitos estudantes, servidores e docentes tiveram violação dos direitos humanos na UFPA, então, repensar isto agora quando nós temos condições de falar, de discutir, de confrontar memórias com os documentos do governo, de colocar os traumas e repensá-los é muito importante para que a geração que não viveu este período traumático saiba que é fundamental e necessário preservar a democracia brasileira, para não permitir que a quebra de nossa democracia se faça presente novamente no país em mais nenhum momento de nossa história. 

Referências:

BRITO, Luciano Antônio da Cruz. Ditadura Militar e Movimento Estudantil: O episódio do pavilhão Fb-2 na UFPA (1964-1980). Trabalho de Conclusão de Curso, Faculdade de História, Belém, 2005. 

COSTA, Ruy César. A ditatura é acidental? Jornal Resistência: Resistir é o primeiro passo. Ano II, nº 11, Belém, Pará, Abril de 1980, p. 3. 

Decreto-Lei nº 869, de 12 de Setembro de 1969. Dispõe sobre a inclusão da Educação Moral e Cívica como disciplina obrigatória, nas escolas de todos os graus e modalidades, dos sistemas de ensino no País, e dá outras providências. Disponível em www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-869-12-setembro-1969-375468-publicacaooriginal-1-pe.html 

FONTES, Edilza. Os anos oitenta e a redemocratização na UFPA (1977 – 1988). In: Fontes, Edilza. UFPA - 50 anos, História e Memória. Belém, Editora UFPA, 2007. 

LEITE, Sandra Helena. A UFPA e os Anos de Chumbo: memórias, traumas, silêncios e cultura educacional (1964-1985) – Entrevista com Sandra Helena Morais Leite. Disponível em http://multimidia.ufpa.br/jspui/handle/321654/1284 

Movimento estudantil – Exploração político-ideológica da morte de um estudante. Informação nº 0191/116/ABE/80. Origem: ABE/SNI – Confidencial (PRG nº 001063/80). Data: 18/03/1980. 

Movimento Estudantil – Ato público de repúdio ao arbítrio – Morte de César Leite. Informação nº 0060/119/AMA/80. Origem: AMA/SNI. (Confidencial). Avaliação: A- 1. Difusão: ST – 750. Data: 10/06/1980. 

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